Hoje gostaria de tratar de um tema jurídico, ainda pouco estudado nas faculdades de Direito e nos cursos de extensão, que foi baseado em projetos e modelos Europeus, que são os Novos Direitos do Consumidor Endividado.
Conheci esses novos direitos na disciplina de Superendividamento, ministrada pelas professoras Clarissa Costa de Lima e Karen Bertoncello no curso de preparação a Magistratura da Ajuris e me encantei com o Projeto que elas nos apresentaram e com o perfil humanista que ambas possuem para lidar com a comunidade.
Infelizmente o superendividamento de consumidores está tão próximo da gente e da realidade social atual quanto imaginamos e ainda assim continua sendo tratado como um fenômeno inexistente pelo próprio Presidente. Todos nós conhecemos amigos ou parentes que contraíram inúmeras dívidas pelos mais diversos motivos, dentre eles o divórcio, a gravidez não planejada, as doenças, o desemprego, etc, e se superendividaram, perdendo o controle financeiro de suas receitas.
Até então, tanto a sociedade quanto a legislação tratavam esses consumidores como unicamente responsáveis pela sua situação de penúria financeira, porém, atualmente está havendo um movimento contrário que vem se refletindo em algumas decisões judiciais e também em projetos na tentativa de solucionar de uma forma mais eficaz e amigável o superendividamento dos brasileiros, que possui um efeito nefasto de exclusão social.
Essa nova corrente de juristas e doutrinadores dispõe que essa responsabilidade pelo consumo desenfreado e consequentemente o superendividamento dos consumidores tem como origem uma mão dupla, ou seja, por uma via há a irresponsabilidade da instituição que oferece a contratação de crédito fácil sem se preocupar com a disponibilidade financeira do consumidor em quitar as suas dívidas, além de muitas vezes estimular esse consumo irresponsável oferecendo ao mesmo diversas vantagens de pagamento, por sua vez, na outra via há o próprio consumidor, que não sabe se planejar financeiramente, que é muitas vezes imediatista e contrata um crédito por impulso e que posteriormente se dá conta de que não consegue pagar as suas dívidas atuais e futuras entrando na famosa "bola de neve", em que contrata novos créditos para pagar suas dívidas anteriores e assim por diante.
O superendividamento não é "preconceituoso", ou seja, ele pode atingir a todas as pessoas naturais independente da cor, da religião, da profissão e das condições financeiras. Ele decorre principalmente da contratação de crédito fácil e da pressão interna, muitas vezes motivada de forma impulsiva pela vontade que o consumidor tem em ascender socialmente ou de manter seu padrão social quando não é mais possível, e/ou externa, incentivada pela publicidade irresponsável, que fomenta o consumo desprovido de racionalidade, que faz com que o consumidor contrate um crédito para a realização de desejos e não de necessidades.
A grande preocupação com o fenômeno do superendividamento é que ele não acarreta apenas em problemas jurídicos para o consumidor superendividado, ele também acarreta principalmente problemas psicológicos e de relacionamento familiar e profissional. Muitas vezes, esse superendividado é um consumidor de boa-fé, que adquiriu produtos, bens e serviços e contratou créditos com o intuito de pagá-los, porém, pelos motivos mais adversos não o pôde, e com isso começou a enfrentar o sentimento de vergonha e humilhação, muitas vezes não sabendo dividir com a família os seus problemas financeiros e não podendo mais freqüentar os mesmos ambientes que outrora lhes eram comuns, é forçado a mudar seu padrão de vida, se afastando da sociedade e passando a sofrer diversos problemas de saúde como depressão, insônia, gastrite, úlcera, enxaquecas, etc.
Com isso, torna-se claro que o fenômeno do superendividamento é um grave problema social, que não pode ser resolvido apenas na esfera jurídica, ele necessita do apoio e da atuação conjunta do Estado, da sociedade, da assistência psicológica e da instauração da publicidade e do crédito responsável, exigindo-se a boa fé não apenas do consumidor, mas também da instituição oferecedora do bem, serviço, ou crédito para que a mesma não induza o consumidor que não possui condições de pagar as suas dívidas a continuar consumindo.
A Justiça gaúcha tem sido pioneira na tentativa de solucionar e prevenir o superendividamento do cidadão. Para quem tiver interesse de conhecer o Projeto Piloto no tratamento das situações de superendividamento do consumidor visite o site: http://www.superendividamento.org.br/
Leiam também a entrevista feita com a Juíza de Direito Karen Bertocello que elucida bem e de forma resumida os objetivos e os ótimos resultados advindos da aplicação desse Projeto: http://www.stcas.rs.gov.br/portal/index.php?menu=entrevista_viz&cod_noticia=1036
Espero ter ajudado na divulgação desse Projeto maravilhoso e na formação de conhecimento dos consumidores, que são duplamente vulneráveis na hora da compra e da contratação de crédito. Mas lembrem-se, também não adianta exigir soluções para esse fenômeno somente do Estado e das Instituições Financeiras. É muito importante que cada um faça a sua parte, que seja responsável na hora de formular o planejamento orçamentário familiar e que compre de acordo com o que possa gastar. Quem for impulsivo em relação a compras e está se reconhecendo nesse perfil de superendividado, tenha coragem e peça ajuda e aconselhamentos da família, dos amigos, procure uma assistência social, psicológica ou um curso de Educação Financeira, planeje os seus gastos. Não comprem por impulso, analisem o mercado, as ofertas, reflitam em casa a necessidade de se adquirir créditos, bens ou serviços, e somente depois de estarem seguros quanto a compra e o pagamento da mesma, efetuem-na.
Um comentário:
Querida, esse é mesmo um problema sério e é de grande valia tratar dele! Muito boas as iniciativas do povo gaúcho nesse sentido. Nos EUA existe algo chamado "falência pessoal". Lá os juros não são tão altos em cartões de crédito e afins como é aqui (é proibido por lei que sejam tão altos) mas mesmo assim, como você falou, há imprevistos na vida (o "imprevisto" principal nos EUA é por conta dos planos de saúde que não cobrem quase nada e NÃO AVISAM... aí a gente se trata e depois recebe contas de milhares de dólares que o plano não cobriu..). Aqui pelo menos, pelo que vejo, os credores estão mais dispostos a negociação e a planos de pagamento mais "amigáveis", enquanto que nos EUA eles entram na justiça e querem desconto em folha de mais da metade do salário da pessoa! Mas lá existe algo que aqui não existe e que achei muito interessante (para casos extremos, claro), é a "falência pessoal". Quando uma pessoa não tem condições de saldar as dívidas, vai ao juíz por meio de um advogado e entra com o processo. Se tiver bens, fica difícil pois parte pode ser vendida pra pagar, mas se não tiver bens o ganho de causa é praticamente certo. O devedor faz uns dois "cursos" on line para se educar, para que evite cair na mesma situação no futuro, e declarada a "falência", os credores não podem cobrar as dívidas, que são completamente apagadas. O crédito fica "zerado" mas com o aviso de que a pessoa passou por essa falência pelo prazo de 10 anos, depois disso tudo volta ao normal. Achei isso interessante. Mas no caso do Brasil, creio que credores sejam mais flexíveis e uma pessoa não precise chegar a esse ponto.
Outra coisa que queria comentar é que só tenho receio de que isso acabe em controle demais sobre a vida pessoal. Explico, bancos e instituições querendo "educar" demais, se é que você me entende. A princípio todos são maiores de idade, responsáveis e num país democrático. Temo muito controle na vida pessoal do cidadão, que passaria a ser tratado como criança que precisa de "supervisão" para usar um crediário, por exemplo. Só divagações da minha cabeça... Beijos!!!! E mais uma vez, parabéns!!!
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